Permita-me, caro leitor, que lhe apresente um sujeito singular, desses que a Providência parece ter dotado de uma inquietação perpétua e de um talento que se recusa a aquietar-se numa só paragem. Fábio Della — aos cinquenta e um anos de idade, carrega consigo não apenas as rugas naturais do tempo, mas também as marcas invisíveis de três décadas dedicadas à arte, essa senhora caprichosa que tanto eleva quanto atormenta os seus devotos.
Nasceu em Florianópolis, cidade que o oceano abraça e onde as brisas sussurram melodias aos ouvidos atentos. Mas seria engano supor que ali se aquietaria para sempre, pois os homens de espírito inquieto são como as ondas: jamais permanecem no mesmo lugar. Assim foi que, em novembro de dois mil e dez — mês em que as chuvas preparam a terra para novos começos —, nosso protagonista estabeleceu-se em Belo Horizonte, essa Atenas mineira que há tempos acolhe os filhos da arte com maternal generosidade.
Trinta anos havia ele vivido entre as cordas e os palcos, ora em Florianópolis, ora em Curitiba, por vezes em São Paulo — essa Babel moderna que devora e glorifica em igual medida —, sempre deixando rastros de sua passagem musical. Pois não é próprio dos artistas verdadeiros marcarem o tempo como nós, mortais comuns, mas sim através das obras que concebem e dos corações que tocam. E que obras!
O leitor há de perdoar-me a enumeração, mas ela se faz necessária: Seus últimos discos, Reuni I, Reuni II, falam por si só. Já com Aerocirco, Della/Peixoto, Kroll, Monocine — nomes que aos ouvidos leigos podem soar como meras palavras, mas que para os iniciados nos mistérios da música representam capítulos inteiros de uma biografia artística. Bandas, dir-me-á o leitor prático, e terá razão; mas eu prefiro chamá-las de pequenas eternidades, pois ainda hoje vivem na memória dos admiradores, circulam pelas redes dessa teia mundial que nos conecta, e por vezes — quando os astros se alinham favoravelmente — voltam aos palcos para lembrar-nos de que certas criações possuem vida própria, independente dos seus criadores.
Mas não para por aí a saga de nosso protagonista, oh não! Como bom mineiro adotivo, Della compreendeu que não basta produzir arte; é preciso também facilitá-la aos outros. Assim nasceu o Dmob Music, esse estúdio que instalou na capital das montanhas, voltado para a nobre missão de descobrir e lançar novos talentos. Quantos jovens sonhadores não terão suas esperanças renovadas naquelas paredes! Quantas melodias inéditas não aguardam ali o momento de voar pelos ares e tocar outras almas!
É assim que o tempo nos ensina, caro leitor: alguns homens contentam-se em consumir a vida, outros insistem em criá-la. Fábio Della Giustina parece pertencer a esta segunda categoria — dessas criaturas que, aos cinquenta e um anos, ainda olham para o horizonte não como um fim, mas como um convite a novas aventuras musicais.
Deixe-me que vos conduzam por entre os meandros de uma questão que há tempos me inquieta: o que é, afinal, o normal? Pois bem, eis que surge, das entranhas criativas deste vosso cronista musical, uma resposta em forma de canção. No dia 28 de agosto do ano da graça de 2025, nascerá entre nós NORMALISSÍSSIMO — obra que ousa ser wave quando poderia ser samba, que flerta com Cuba quando nasceu brasileira, que abre alas não para o carnaval, mas para as dúvidas mais profundas da alma humana.
Pergunto-vos: se nas entranhas da normalidade nada se encontra de substancial, por que razão os espíritos quadrados se inquietam tanto com a pantera rosa? Ah, meus caros, eis aí o eterno dilema entre os excessos e as faltas, entre o ser e o parecer que tanto atormentou nossos clássicos — e que agora retorna em forma melódica para nos atormentar deliciosamente.
Mas não para por aí a nossa jornada. Uma semana após, precisamente no dia 4 de setembro, receberemos entre nós a história melancólica de um SUJEITO DE POUCA SORTE. Trataremos aqui daquele tipo humano que, de tanto trair suas mulheres, de tanto acumular segredos e desvios morais, acaba por questionar-se se foi mesmo ele quem ganhou o jogo da vida. Para ela, o amor sempre foi questão de sorte; para ele, o jogo sempre deu azar. Ironia do destino ou justiça poética? Deixo a resposta ao critério de vossas consciências.
Estas duas criaturas musicais chegarão aos vossos ouvidos como singles — aves solitárias que voam antes do bando. Mas suas irmãs virão em conjunto, num grande álbum que guarda uma história deveras curiosa, e que me proponho a vos narrar.
Estamos falando de um disco batizado MINHA CASA É DOCE, mas que, pela sua peculiar construção, poderíamos dizer que são duas casas — ou melhor, a mesma casa vista em épocas distintas, como aqueles retratos que revelam a passagem inexorável do tempo sobre as fisionomias humanas.
Entre os anos de 2019 e 2021, este álbum foi completamente gravado, pronto para enfrentar o mundo. Mas eis que, quando tudo estava preparado para o lançamento, a pandemia — essa visitante indesejada que tão bem conhecemos — obrigou-o ao silêncio das gavetas. Não por capricho, mas por força daquela energia sombria que se apoderou de nós todos naqueles dias.
Entre 2024 e 2025, o mesmo trabalho ressurgiu das cinzas, totalmente regravado, carregando consigo não apenas as canções originais, mas toda a experiência de quem atravessou a tempestade. Nasceu assim uma dupla singular: MINHA CASA É DOCE 19-21 e MINHA CASA É DOCE 24-25 — mesmo repertório, visões diferentes de mundo, como se fossem o mesmo homem antes e depois de uma grande desilusão amorosa.
Após esta introdução, que espero não vos tenha enfastiadio demasiadamente, o que vos peço, benevolentes leitores, é vossa atenção, vossa curiosidade, vossa vontade genuína de conhecer um mundo novo. É através desta música que vos levaremos ao mais íntimo mergulho nas verdades que muitas vezes nem sabíamos que ali estavam, escondidas nos recantos mais secretos da alma.
Apresento-vos, pois, esta família musical: NORMALISSÍSSIMO, SUJEITO DE POUCA SORTE, MINHA CASA É DOCE 19-21 e MINHA CASA É DOCE 24-25. Que elas vos acompanhem nas horas de reflexão e vos ofereçam o que a boa música sempre ofereceu aos homens de bom gosto: um espelho onde nos reconhecemos, ainda que não gostemos sempre do que vemos.
de quem vos escreve,
Um Ser Normalissíssimo
P.S. — Se algum leitor, movido pela curiosidade ou pelo tédio, quiser saber mais sobre estas criações, que não hesite em procurar-nos. A música, como a literatura, só existe verdadeiramente quando encontra quem a compreenda.